O Caminho do Vento 

Os caminhos do Vento são muitos e estão em todos os lugares.
Até mesmo quando estamos dentro de uma caverna, ao andarmos, movemos o ar ao nosso redor e geramos um movimento suave de Vento. Mas o Caminho do Vento éainda mais profundo.
Toda a Roda de Cura, além dos elementos Fogo, Água e Terra, tem um movimento do Vento para cada um desses elementos, mas o seu ponto de entrada mais potente é pelo leste, e a entrada de força na Roda de Cura é pelo leste (Ytokaghata), local onde nasce o Sol todos os dias. É o Portal do renascimento, da energia renovada, local de onde vem a vida nova e a sabedoria.
Toda a Roda de Cura, além dos elementos Fogo, Água e Terra, tem um movimento do Vento para cada um desses elementos, mas o seu ponto de entrada mais potente é pelo leste, e a entrada de força na Roda de Cura é pelo leste (Ytokaghata), local onde nasce o Sol todos os dias. É o Portal do renascimento, da energia renovada, local de onde vem a vida nova e a sabedoria.

O Caminho do Vento é um caminho de cura e de renovação.

O ar que respiramos, que deslocamos ao andar e que preenche todos os recantos da terra é Sagrado, ele mantém vivos todos os povos, ele entra em nosso corpo, trazendo a renovação das nossas forças, ele se transforma em nossas palavras e as carrega pelo corpo de nossa Mãe Terra, fazendo vibrar a energia do que foi dito. Por isso nossas palavras são Sagradas e temos que saber usá-las.
O Vento quando em contato com certos elementos produz sons. Às vezes, o som suave e relaxante do seu contato com as folhas das árvores, às vezes, aquele uivo que amedronta algumas pessoas, mas de qualquer forma, esse éum movimento que faz vibrar frequências de cura.
A flauta nativo americana (Wayazo ou Siyo Tanka), para muitos dos povos que a utilizam para fins de cura, é um elemento que materializa a voz do espírito, trazendo harmonia e cura, tanto para quem as toca quanto para quem as ouve, seu som suave traz uma sensação de paz e proporciona profundo relaxamento.

Os tambores do povo do norte batiam no compasso do coração do animal de poder que era invocado em determinados rituais.
As batidas podiam ser no compasso do coração da cobra (zusetcha), do búfalo (Tatanka), do alce (hehaca), da águia (wambli), do lobo (Shumanitu Tanka), do povo de dois pés (wichacha oyate), entre muitos outros.
Eles diziam que o som do apito de osso de águia era o som mais próximo do Grande Mistério (Wakan Tanka).
Esse apito era feito do osso da coxa de uma águia pintada (Wambli Galeska) e tinha um som bastante estridente e era fundamental para a realização do Wiwanyag Wachipi, a Dança do Sol.

Mas como reproduzir os lamentos do som do vento passando por entre os galhos das árvores ou pelos picos rochosos?

Como cantar os sons do vento quando uma tormenta se aproxima ao longe?

Como expressar os sons do nosso espírito que às vezes quer falar de seus sentimentos mas não tem palavras que possa usar?

Foi buscando expressar minha espiritualidade que materializei minha primeira flauta.

Eu não fabrico flautas. Penso que fabricar é colocar algo em um molde ou em uma máquina e depois tirar esse objeto quase pronto. Não me identifico com essa forma de fazer as coisas porque vejo nisso a necessidade somente de produção para venda, sem um contato mais profundo com o que está sendo feito.
Penso que escolher a madeira que tem um desenho natural mais elaborado e depois esculpir uma forma nessa madeira usando as mãos e poder observar todo o processo de criação da flauta, sentindo cada parte dela, não seja a mesma coisa que fabricar, mas sim descobrir algo que já estava lá.

Isso me foi mostrado logo no início, quando materializava minha primeira flauta e ela ainda não tinha o espírito (bloco superior que manifesta o som).

Nessa época, durante as dificuldades do aprendizado, levei minha primeira flauta que, no lugar do espírito tinha apenas um pequeno pedaço de madeira que auxiliava a manifestação do som, e a mostrei a um homem muito sábio, Ramy Shanaytá, Pai espiritual da Tradição e do povo Tubakwassu, e ele, depois de observar a flauta, pegou um pequeno pedaço de pedra-sabão e me disse:

"-Materialize dessa pedra um espírito para vossa flauta."

E assim eu fiz, e quando, depois de algumas semanas, retornei, já com a flauta e o espírito terminados e depois de observá-los ele me disse:

"-Você ainda vê isso como um hobby, mas eu vejo isso como cura. Não é qualquer pessoa que manifesta de uma pedra um espírito ou de um pedaço de madeira um som. Você deve dar continuidade a esse movimento."

E depois disso veio o sentimento de compartilhar essa cura com outras pessoas, e por isso sou muito grato a esse homem sábio e de grande mistério, que com passos suaves mas firmes guia seu povo por um caminho de Luz.

Porã Eté Ramy Shanaytá!

E desde então eu materializo flautas e vejo isso como um processo de cura para mim e para as pessoas que têm com elas afinidade.

Essas flautas, quando são tocadas, produzem um som suave, aveludado e sua melodia parece querer nos falar de algo que não conseguimos entender, mas que nosso espírito identifica, e com isso nos conforta.

Sim, é por isso que eu materializo flautas!

Minha primeira flauta, Matho Ishca (Urso Branco), construída em Pinnus com comprimento de 23.5" e diametro interno de 1". Clique na imagem e ouça o som.

Detalhe do espírito construído em pedra-sabão.

 

A Huhumila

A história da huhumila (faca de osso) é tão antiga quanto o tempo, e esse simples fato já a torna Wakan* , e com uma grande simbologia.

Na pré-história, o homem em desvantagem de força frente aos predadores a utilizava como última defesa, mas não vamos nos aprofundar nisso, mas sim em sua simbologia.
Também não vamos nos ater ao fato de que as huhumilas que eu materializo não têm nenhum tipo de cola sintética, plástico ou metal, e também ao fato de seu polimento ser feito com cera de abelha.

Quando se está trabalhando um remédio de ervas, ou na hora da sua colheita, ou mesmo na hora de retirá-la do solo, geralmente as pessoas que seguem pelo caminho de mistério da cura pela natureza, observam as condições da lua e também a forma como essa erva será desconectada do contato físico com a Mãe Terra.

Em muitos casos essas pessoas são avessas ao uso de objetos de metal, tanto na colheita como no preparo do remédio, porque também se preocupam com o conteúdo energético, além do físico.

A melhor maneira de descrever a huhumila é repetindo as palavras de Hehaca Shapa (Alce Negro):

“- Nenhum objeto que existe é o que parece ser em sua aparência, a coisa aparente é apenas um débil reflexo de uma realidade principal.

A huhumila contém em si mesma toda a Roda de Cura e também todos os povos estão representados nela, como veremos mais adiante.

Tentarei relatar as coisas na ordem e da forma que aconteceram.

A necessidade de materializar a huhumila começou ao acaso, e com o passar do tempo foi ficando cada vez mais forte.

Antes de materializá-la fisicamente ela foi tomando sua forma mentalmente e depois de um tempo senti que era imperativo trazer essa forma para a matéria.

E foi aí que iniciei mais uma jornada de aprendizado, buscando o osso, o couro, enfim, os materiais que sentia necessários para começar meu trabalho.

Depois de um tempo descobri que o pedaço de osso que eu necessitava não poderia ser qualquer um.

Tinha que ser o pedaço de osso onde a huhumila já existia em essência. Então um dia, observando um dos vários ossos que eu dispunha, percebi que esse osso tinha um desenho suave que lembrava uma lamina.

E nesse dia comecei a retirar a huhumila do osso.

Durante esse processo de retirar a lamina do osso, o que demorou uns dois meses, fui sentindo que de fato não estava fazendo apenas uma faca, sentia que havia um movimento de mistério que ia se tornando mais forte na medida que tomava sua forma final.

Depois que o corpo ficou pronto (lâmina e cabo), preparei dois pequenos pedaços de madeira para formar as duas almofadas do cabo, e em seguida os coloquei no cabo da faca e os enrolei com uma tira fina de couro cru, depois disso, envolvi novamente o cabo com um pedaço de couro de cobra**, que me foi presenteado por um amigo.

No final do cabo, coloquei um pedaço de couro de coelho e finalmente dei brilho na lamina com cera de abelha e fogo. Para guardá-la materializei uma bainha de couro cru, costurada com tiras de couro.

Por fim, pensei que tudo estava terminado.


E foi pensando assim que, uma noite fui visitar Tatanka Ishca, e após os cumprimentos, e depois de pitarmos o Chanumpa, para minha surpresa, ele retirou de um embrulho de couro uma huhumila idêntica à minha e disse assim:

“- Você resgatou um elemento que émuito Wakan, mas para que esse mistério possa ser manifestado, primeiro você precisa entender profundamente tudo o que ele significa:

- A huhumila é uma Roda de Cura, e também representa todos os povos que se movem na nossa Mãe Terra.

- Observe o cabo de sua huhumila, nele vejo sua irmã e aliada no mistério, e sei que ela está envolvendo um outro irmão do povo dos quatro pés, que, por sua vez envolve um representante do povo que está sempre em pé (árvore), e por fim, está proporcionando a todos os elementos envolvidos a condição de se aplicar energia nos elementos que formam o cabo da huhumila, e nesse movimento, tudo se torna Um.

- Essa é a entrada da energia na Roda de Cura, é desse ponto que parte a energia que manifesta todos os outros movimentos.

- Observe o que acontece depois que termina o cabo.

- Você verá que dos elementos iniciais (couro, madeira e osso), permanece apenas o osso, e esse se transforma em outros elementos, que são: o fio, as costas e a ponta da lâmina.

- Mas o que seria do fio da lâmina sem as costas da lâmina para sustentá-lo?

- O que seria da ponta sem a sustentação dos outros dois elementos?

- Como poderia entrar a energia que alimenta esse conjunto sem o cabo?

- E, o mais importante, o que une todos esses elementos como se fossem um só?

- A resposta é Wakan Tanka. É a Sua vontade que une a teia de tudo o que é!

- A energia que entra pelo cabo (Leste) se manifesta de formas diferentes na ponta (Oeste), no fio de corte (Sul) e nas costas da lâmina, o (Norte).

- A Luz que vem do Leste nos lembra todos os dias que a presença do Grande Mistério nos tira da escuridão da ignorância, e nos faz ver melhor tudo o que Ele nos deu. Enquanto essa Luz caminha sobre o corpo da nossa Mâe Terra, nos aponta o caminho que devemos trilhar rumo ao Oeste, onde a boa estrada termina e inicia o caminho do espírito.

- O fio da lâmina nos lembra o Sul na Roda de Cura. Apesar de cortar, esse movimento também traz renovação, cura e mudança consigo.

- Nas costas da lâmina temos o Norte que com seu espírito nos traz a sustentação para que todo o resto se manifeste.

- E, por fim temos a bainha que representa nossa Mãe Terra.

- Todos os seres que existem neste mundo se formaram e vivem por meio Dela.

- Ela gerou e gera os alimentos que sustentam nossos irmãos de quatro pés, nossos irmãos alados, nossos irmãos que vivem sob as águas e também nossos irmãos, o povo que está sempre em pé, desde o início dos tempos.

- É dela que emprestamos os materiais que transformamos em nossas casas, e é a fertilidade dela que permite que nossos alimentos brotem e cresçam.

- Então, toda vez que a huhumila é retirada da bainha, representa o renascimento de tudo o que existe, porque nos lembra que tudo, um dia, brotou de nossa Mãe, a Terra, e vive e tem forma segundo a vontade do Grande Mistério.

- E quando Ela retorna, nos lembra que, depois de cumprir seu ciclo de vida, tudo o que é vivo voltará novamente para o seio da Mãe Terra, terminando assim seu caminho na Roda de Cura e retornando ao Mistério.

Por isso a huhumila é muito Wakan.


*"Traduzimos esta palavra wakan em si mesma por «sagrado» ou «santo» — Às vezes por «mistério» — ainda por «poder» ou «poderoso», como fazem muitos etnólogos. Estes últimos termos podem ser exatos, mas não dão completamente o sentido da palavra wakan; não devemos esquecer, que para os sioux, como para os povos tradicionais em geral, o «poder» — ou o «caráter sagrado» — de um ser ou de uma coisa está em proporção à capacidade da coisa para refletir o mais diretamente possível o Principio — ou os Princípios — que estão em Wakan Tanka; este é Um. O termo «poder» é equivocado no sentido de que pode sugerir uma força puramente terrestre ou psíquica.

** Pelo que me foi dito, esse pedaço de couro que me foi presenteado, não provém de um “animal” abatido para o comércio. Em outras palavras, essa cobra foi abatida para a alimentação dos integrantes da aldeia, e um pedaço de seu couro me foi presenteado.

 

 

Tatanka Ishca ( O Búfalo Branco)


... Quando, em uma de minhas primeiras buscas de visão, me encontrei pela primeira vez com o chefe do Clã da serpente, foi a terceira vez que estive na presença de Tatanka Ishca.

Nas primeiras vezes que o vi, eu não compreendia que compartilhávamos o mesmo mistério, mas, quando o vi junto à fogueira, na noite escura, percebi que aquele ancião que, até aquele momento não havia me falado seu nome era Tatanka Ishca.

Pelo fato de já conhecer boa parte da tradição Sioux, fiquei me questionando sobre o fato de ser Tatanka ishca representado por uma mulher, a Mulher Novilho de Búfalo Branco.

Então, minha mente racional me deixava com dúvidas sobre qual a real freqüência do nome Tatanka Ishca. Cheguei até a pensar ter me enganado, e o nome do ancião ser talvez, Matho Ishca, Urso Branco.

Mas eu tinha certeza da pele de búfalo branco que lhe cobria o corpo naquela noite em que seu nome me foi revelado com tanta clareza...

Mas, sempre que rezava com meu cachimbo buscava clareza para entender a mensagem do Espírito do Mundo.

Até que um dia a resposta me veio clara e simples como tudo o que é Mistério.

- Você é Búfalo Branco porque não é Búfalo Vermelho!

Vamos simplificar o que já é simples...

O búfalo é a personificação de uma das bases de sustentação da nação pele vermelha.

Da sua carne se tem a força para viver, de sua pele as paredes das tendas e as vestes do inverno, dos seus ossos as ferramentas, de seus tendões as cordas... Enfim, o búfalo é o que dá a sustentação, o abrigo, etc.

E o povo búfalo também tem a sua sabedoria, e ensinou muito ao povo de duas pernas...

Então eu tenho o mistério da sustentação da raça vermelha.

Só que nessa minha vida atual eu não sou pele vermelha, sou pele branca...

Nasci em outra tribo, longe do solo sagrado onde meu antigo corpo e o dos meus antepassados estão enterrados.

Mas carrego em mim o espírito do búfalo que agora é branco, porque não é mais vermelho...

Mas como Suzetcha Wakan me disse.

- Trocamos de corpo, mas nossa essência continua a mesma.

E foi depois de compreender essa mensagem que percebi a necessidade de manter vivas as tradições e, principalmente estendê-las aos outros, porque, como eu que estou aqui, nesse continente, também existem muitos e muitos outros que estão novamente caminhando pelo corpo sagrado de nossa Mãe Terra, mas estão esquecidos de quem são, e de seu Mistério interior...

Às vezes fico surpreso com o efeito que a simples visão de uma flauta ou uma huhumila, construídas no mistério da raça vermelha faz a certas pessoas.

E então, quando ouvem o som profundo da flauta, parecem retornar a um passado distante e sentem seu espírito dançar e rezar com ela.

 

 

Site produzido por Anderson Bertolli. Direitos autorais sobre os textos registrados em nome de Anderson Bertolli.